A vida é feita de sonhos.
Há 30 anos, de um parto sofrido nascia Argemira, sem choro, à luz de velas. Muito sua mãe sofreu nesse parto, que em seu casebre concebeu.
Cresceu lentamente, tão raquítica e delicada. E seus primeiros passinhos demoraram a acontecer. Falar algumas palavras, somente depois dos 7 anos de idade.
Na escola, caçoada, tão tímida e isolada, não conseguia aprender. Menina estranha, acuada, simplesmente não aprendia nada.
Frequentou, sim, até a 4®série. Mas a escola abandonou, tamanho constrangimento por nada aprender. E cabe aqui parentesar. Quem abandonou quem?
Então os anos correram. Argemira, humilde, não obstante batalhadora, sempre em casa, solitária, sonhadora. O sonho? Aprender.
Argemira nunca esqueceu o contato que teve com as palavras escritas. Guarda, ainda, seu caderninho de caligrafia.
Todos os dias, lá no mesmo casebre que um dia a recebeu em um rasgo purpúreo, senta-se na mesinha capenga da cozinha. À luz enfumaçada do lampião, Argemira tenta ler sua bíblia. Não consegue. Ainda assim persiste, todos os dias, em suas tentativas.
Argemira tem um sonho. Quer ler e escrever.
A vida é feita de sonhos.
A sequela irremediável de um parto há 30 anos foi seu cérebro danificado.
Mas Argemira não se rende. Não precisa de piedade. Não precisa de suposições discriminatórias. Nem se importa com discursos excludentes, pois seus desejos são imunes ao pieguismo sociodramático.
Simplesmente crê que um dia vai aprender.
Afinal tem um sonho.